domingo, 24 de janeiro de 2010

Argumento de Inclusão vira polêmica.

Há três semanas, quando foram divulgados os resultados do Vestibular da UFRN, chamou a atenção o fato de que o primeiro colocado em Medicina era aluno da rede pública. O fato é que do segundo ao oitavo também eram. Este ano, os egressos de escolas estaduais e federais conquistaram praticamente todos os primeiros lugares da universidade. O motivo principal responde pelo nome de Argumento de Inclusão. Um bônus de 10% na nota final garantido ao estudante que desde a 6ª série do Ensino Fundamental frequenta a escola pública.
A bonificação foi criada na edição de 2006 e reforçada no último vestibular. Até então variava de percentual, sendo sempre maior nos cursos onde ingressavam menos alunos da rede pública e ia de zero a 7%. Para a presidente da Comissão Permanente do Vestibular (Comperve), Betânia Ramalho, o instrumento é uma forma de equilibrar melhor as oportunidades entre os alunos e só beneficia os “excelente” estudantes, pois é preciso passar para a 2ª fase e obter, nas provas discursivas, um argumento acima de 450, para ter direito.]
No entanto, há quem discorde da nova fórmula. “Você não melhora uma pessoa diminuindo o obstáculo que ela tem de ultrapassar. Só melhora ensinando ela a ultrapassar esse obstáculo”, defende o professor de química Alexandre Pinto. Diretor de uma escola particular, o Colégio Ciências Aplicada, ele afirma que o novo sistema tem situações até engraçadas. “Mesmo que um aluno, da rede privada, acertasse a prova inteira, todas as questões da primeira e segunda fase, ainda assim não seria o primeiro lugar.”
O educador lembra que o Argumento de Inclusão variava, em Medicina, de um bônus de 18 a 22 pontos, o que representava um acréscimo em torno de 3% na nota média final, para aqueles que conseguiam a aprovação. “Com esse sistema o aluno ultrapassava uns 50 concorrentes. Achava aceitável que um estudante de escola pública que estivesse na posição 150 recebesse uma ajudinha para passar (são 100 vagas no curso). Agora, o que aconteceu esse ano é que esse valor de 10% foi muito alto. Tivemos alunos ultrapassando mais de 600 pessoas”, critica.
Tendo estudado toda sua vida em escola pública, Alexandre Pinto não considera a bonificação justa. “Justo é o princípio da equidade. Todo mundo igual e o governo que trate de melhorar a escola pública. Se é possível uma boa educação em escola particular, então é possível uma boa educação em escola pública”, destaca. O professor cita o fato de que dois dos 26 alunos da rede pública aprovados em Medicina conseguiriam a vaga mesmo sem o argumento.

Ao mesmo tempo, o candidato que conquistou as melhores notas no vestibular, Kênnyo Estevão Fernandes, terminou na nona colocação por ser aluno da rede privada. “Não duvido, inclusive, que Kênnyo seja até mais pobre e tenha enfrentado mais dificuldades financeiras que alguns daqueles beneficiados pelo Argumento”, observa, lembrando que vários alunos de escolas públicas frequentam cursinhos isolados na rede privada.
O professor até mudou de opinião sobre outro instrumento de inclusão: as cotas. “Era a favor do Argumento porque era mais justo que uma cota. Agora, desse jeito, é melhor ter cota. O mais complicado é que se tivermos 100 alunos do IFRN prestando vestibular e eles estiverem medianamente preparados, que é fácil para eles que são alunos bons, não vai ter vaga para mais ninguém.”
O professor elogia o trabalho da Comperve, mas entende que a padronização em 10% foi uma atitude desmedida. “A gente não tem ideia de quantas vagas existem para a rede particular e a escola pública, com essas medidas, tem se tornado cada vez pior. Tenho certeza que já estão revendo porque não tem cabimento permanecer dessa forma”, conclui.

Pontuação extra inclui estudantes

Acesso, inclusão e desempenho. Esses são os três pilares da política de inclusão da UFRN, da qual faz parte o bônus aos alunos da rede pública. “Mas não é só o Argumento de Inclusão. Temos antes as isenções da taxa de matrícula e, depois que o aluno entra na universidade, políticas para que o bom candidato possa permanecer, seja com oferta de bolsas de apoio técnico, bolsas de iniciação científica, acesso ao restaurante universitário, à biblioteca, etc”, afirma Betânia Ramalho.
Ela lembra que o terceiro pilar, o desempenho, é sempre exigido dos beneficiados. “Até mesmo para a isenção fazemos uma seleção em cima das notas que os interessados (alunos de escola pública) têm em Português e Matemática. E para ter direito ao Argumento de Inclusão, o candidato precisa ser aprovado para a segunda fase do vestibular e ter um argumento superior ao mínimo, que é de 450”, enfatiza.
A presidente da Comperve considera que o jovem de escola pública é penalizado de várias maneiras, por isso a necessidade de uma política que lhe garanta oportunidades semelhantes às dos alunos oriundos da rede privada. “Este ano, graças ao Argumento de Inclusão foram 26 aprovações em Medicina, 13 em Direito noturno e oito no matutino. Se tivéssemos aprovado os 10% já no vestibular anterior, naquela oportunidade teríamos 19 em Medicina (foram 10)”, compara.
Betânia Ramalho diz entender o papel dos colégios que trabalham para alunos da rede privada e que desejam o reconhecimento. “O que considero injusto é um professor querer que o mérito do primeiro lugar seja só dele. O mérito é do candidato, é da família e de uma base que muitas vezes é anterior àquele cursinho”. Ela lembra que nada impede arede privada apontar que possui os primeiros, entre sua parcela do alunado. “O Argumento de Inclusão não é injusto. Se não fosse ele, só os alunos da rede privada, que também são excelentes, teriam oportunidade”, resume.

Professores consideram a medida adotada um paliativo

Os professores de uma escola particular de Natal, o Overdose Colégio e Curso, divulgaram um texto no qual consideram o Argumento de Inclusão uma medida apenas paliativa e defendem que sua adoção seja temporária. Eles reconhecem que, “no Brasil, existe uma profunda desigualdade entre os alunos oriundos de escolas particulares e públicas”, mas lembram que a realidade é fruto da ausência de seriedade no tratamento das questões educacionais.
“Até o presente momento, só temos observado uma tentativa de ‘maquiar’ a realidade. Não estamos observando nenhuma tentativa de melhorar a base, apenas métodos artificiais para colocar alunos de um sistema de ensino caótico dentro da Universidade. Repetimos que não somos contrários ao sistema implementado pela UFRN. Porém, tal sistema deve ser momentâneo”, destaca o texto assinado por Edson Carlos, Roberto Lima, Carlos André. Miranda Júnior e João Mesquita.
Dentre os equívocos do Argumento de Inclusão, eles entendem que um dos principais é não reconhecer o aluno que melhor se saiu nas provas. “O melhor candidato deve ser privilegiado com as homenagens merecidas, ou seja, aquele que fez mais pontos.” O modelo criado pela Comperve, entendem, pode gerar distorções significativas, beneficiando “exageradamente” aos alunos oriundos das escolas públicas.
Os professores elogiam o desempenho do estudante apontado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN como primeiro colocado em Medicina, Jocekleyton Ramalho, mas lembram que dezenas de outros obtiveram notas maiores e lamentam o fato de o melhor de todos, Kênnyo Estevão, não ter seu desempenho devidamente reconhecido.

Reitor do IFRN defende inclusão

Mensagens que circulam na Internet vêm dando conta, nas últimas semanas, de que praticamente todos os beneficiados pelo Argumento de Inclusão da UFRN, principalmente em Medicina, seriam alunos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN), o antigo Cefet. A Comperve nega. Os dados preliminares apontam que, no curso mais concorrido da universidade, dos 26 aprovados de escolas públicas graças ao bônus de 10%, apenas nove confirmaram ser egressos do instituto. Em Direito também foram nove dos 21 aprovados para os dois turnos.
O reitor do IFRN, Belchior de Oliveira, lamenta as críticas. Ele lembra que para ter direito ao bônus não basta ter estudado o Ensino Médio no instituto. Os alunos beneficiados vêm de escola pública desde, pelo menos, a antiga 6ª série do Ensino Fundamental, atual 7º ano. “Esse argumento é uma medida de inclusão muito válida. As condições entre a rede privada e o ensino público são muito diferentes e é preciso tratar diferentemente os diferentes, para que se faça a igualdade”, aponta.
Belchior de Oliveira lembra que o IFRN já disputava os primeiros lugares no ranking de aprovações da UFRN, mesmo quando ainda se chamava Cefet, ou Etfrn, bem antes da existência do Argumento de Inclusão, criado para o Vestibular 2006. Ele considera que os resultados obtidos pelos estudantes do instituto devem servir de exemplo para que toda a rede pública consiga alcançar padrões de qualidade semelhantes.
O reitor cita ainda o sucesso das cotas dentro do próprio IFRN, onde há 12 anos metade das vagas nos cursos, tanto de nível técnico, quanto superior, são destinadas exclusivamente aos alunos da rede pública.“São estudantes muito bons, que só precisavam de uma oportunidade”, diz.

Fonte: www.tribunadonorte.com.br

Um comentário:

  1. Ok, o Reitor defende essa situação, mas e quanto ao meu caso?! Estudei parcialmente em escola particular. Ora, também me sinto prejudicada por ter passado 3 anos( 7ª,8ª e 1º ano do ensino médio) na rede pública(de péssima qualidade)! Acredito que assim como eu, muitos outros tenham vivenciado a mesma situação! E cá estamos...sendo esmagados pela injustiça(não tem como ser diferente) concedida por uma instituição que deveria promover o conhecimento-a universidade. Se a universidade busca a igualdade, promovam-na! Todavia, não é justo deixar resquícios de outras desigualdades-esta por que passamos!!!!!!!!

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